Jesus’ Blood Never Failed Me Yet // O Paraíso Segundo José Maria
ANA PAGANINI // JOÃO FERREIRA
Inaugura o 4º Ciclo de Exposições em Fotografia e Território com projectos fotográficos de dois artistas, em que abordam ambos a temática da cerimónia religiosa. Ana Paganini com Jesus’ Blood Never Failed Me Yet, uma série de fotografias a cores, na sua maioria pontuada por retratos de mulheres envergando vestimentas que prestam homenagem às imagens e aos ícones femininos da cultura religiosa portuguesa, um trabalho que foi efetuado em diversas celebrações religiosas em diversos pontos do país. Embora seja visível a participação de adultos e crianças de ambos os sexos, parece claro que o interesse da artista incidiu mais no modo como o feminino se apresenta e executa o acto performativo durante as procissões religiosas.
Através das imagens vertem-se a delicadeza dos tecidos e ornamentos, a riqueza da cor, a imitação da santidade, num processo que terá tanto de aspiracional como de exibicional, onde a virtude se casa com a indumentária, um processo algo similar ao contexto da moda: vestimos roupas por várias razões, não apenas como vaidade, ou protecção, mas também como expressão de pertença e de identificação com algo a que se aspira. Nestas cerimónias que Ana Paganini foi fotografando parece ausente o pendor auto-punitivo, comummente associado à iconografia peregrinacional e cerimonial religiosa portuguesa de outros tempos, pelo que talvez se possa concluir que o teor da participação nestes actos parece afastado da dureza e da penitência, do arrependimento, ou de algo cujo simbolismo e intenção será de uma outra natureza.
Esse contratste é justamente fornecido por João Ferreira, que por sua vez apresenta O Paraíso Segundo José Maria, onde acompnhamos o trajecto que grupos de homens percorrem, em romaria, na ilha de S. Miguel, uma peregrinação que dura uma semana, onde se chega a caminhar cerca de 40 km’s por dia, junto ao mar. Existem várias notas interessantes, desde logo a curiosidade de que, sendo um culto da religiosidade mariana, é todavia restrito a homens. Num outro registo, o das marcas, das escritas que os homens imprimem no corpo, o qual, aliás, sempre foi lugar de ritual, mas essas marcas, através da possibilidade comparativa das imagens, parecem também elas exibir um poder iconográfico similar ao da iconografia religiosa, quiçá emanando poder espiritual, seguramente alcançável, ou pelo menos imaginável, por quem se aventurar por esta dura peregrinação.
Nesta exposição, as imagens de ambos os fotógrafos misturam-se pela Casa dos Cubos, convocando uma ideia de similaridade e contraste, o ideal religioso e a fé convocados através da performance, onde o corpo se decora e exibe, mas também da dureza e da penitência, quiçá capítulos de uma prática religiosa em contraponto da presença feminina e masculina, veiculada através dos excelentes trabalhos destes dois artistas visuais, com percurso já de reconhecido mérito no âmbito do fotojornalismo e da fotografia documental em Portugal.
João Henriques, Fevereiro 2024
Jesus’ Blood Never Failed Me Yet
Taylor Wessing Photo Portrait Prize 2023 - The National Portrait Gallery, London
Portuguese photographer Ana Paganini has been documenting religious processions as part of a long-term project to explore the influence of Catholic rituals and traditions on the lives of Portuguese teenagers. The square frame on her medium format camera enables Paganini to focus on specific individuals within the crowds. Here, young girls dressed in rented costumes impersonate Catholic saints, with poses reminiscent of religious sculptures. Their performances are undercut by small details, such as vividly painted nails, which bring a contemporary moment to an otherwise traditional scene.
Jesus' Blood Never Failed Me Yet
I've always regarded Ana Paganini's work as a confluence between the traditions of war photojournalism and fashion reporting. The first of these categories seeks to show the phenomenon of a conflict and its impact on people and places through the use of emotion (and the expectation that it will multiply), while the second focuses on the modus – encompassing not only garments but the whole set of aesthetic options, more or less exotic, that convey the intended message. Even if paradoxically, both categories meet at times.
In this particular exhibition, one side of Ana’s practice is revealed (which we had already seen in part in the forcados series): the documentation of performance, more specifically of the spectacle of religion. The performance of devotion, processions in public space, has its own codes and traditions. What the artist does in this case is the documentation of these passionate demonstrations and what they mean in the contemporary context: renting polyester suits for €10 a day; the sheaths that drag on the boiling hot tar; the atmosphere of querido mês de Agosto in the villages; the electro-technical apparatus and accessories that are kept all year round in the garage (such as Christmas lights) taken to the streets.
What I admire about Jesus’ Blood Never Failed Me Yet is the dignity with which the artist portrays subjects and objects. Light always appears as a miracle (a dancing sun?) and people as perfectly aware of the living mystery and the importance of repeating the supposed gestures that were the holy roots of something and somewhere. What binds me to these images is the ecstasy of being together. It is possible that this is the only truly luminous human phenomenon and ritual: we’re not done with each other, yet.
Isabel Cordovil
Velharias Morais
Memory Game
For documentary photographer Ana Paganini, it all began with time. The time Paganini spent in Vila Real, at her grandfather’s house. Then, the time spent at Velharias Morais, the antique shop behind her grandfather’s house. The time Sr. Morais had spent in Switzerland collecting objects, the time since he’d moved to Portugal collecting more, the time spent arranging and rearranging objects in the store—mementos that had belonged to people whose time had run out. The time Paganini spent learning to take pictures. Time as collection, recollection, and composition.
Is a memory created or found? What about a photograph? Memory, like photography, involves both the passing of time (collection) and the freezing of time (recollection). Composition—the relationship between objects—helps make a photograph memorable, and memory itself is a game of composition. It’s easier to recall something when it relates to something else; any time spent playing memory games proves this without a doubt. Ana Paganini´s grandmother lost her ability to recall memories due to Alzheimer's disease. This game is dedicated to her.
**Instructions:**
There are 10 pairs of photographs. Lay them face down and shuffle. Organize them into a grid (or don’t). Turn two cards over. If they match, set them aside and turn over two more. If these also match, you probably haven’t shuffled well enough; they’re not really supposed to match this early in the game. At this stage, it’s helpful to name what’s in each image so that you can remember more easily. Once you name them, you’ll develop feelings around the images: aversions, or attractions. This is normal. If you’re playing by yourself, keep turning cards over two at a time. Develop a system; see if that helps. Sometimes it doesn’t. If you have opponents, take turns, and take care—there are two images featuring clocks; there are several paintings of ships. The differences are slight, the objects are obscure and if you don't win, there's always next time.
Isa Toledo
Velharias Morais
A place where absence lives
Forget photography for an instant. Forget its potential for memorabilia, its memento mori whisper. Instead, dwell on this magical place, Velharias Morais, celebrating the immortality of an intangible past for all eternity. On a table we see human traces, vestiges of everyday life that give order to the apparent chaos of this curiosity emporium. In fact, There is no chaos here, just a subtle, quasi-invisible cadence, the care with which the current owner places and vividly describes each object to visitors. They are more than dusty curios. The space is inhabited by the successive absences of all who lived, enjoyed and shaped each precious object.
Ana Paganini's poetic images are small tableaux vivants infused with magic, fairy tales where each physical and photogenic artifact transports us through all the world’s childhoods ever, both lived and dreamed. These delicate and enigmatic images demand our undivided attention, gradually revealing minute hidden details. Both the objects and images that portray them are time capsules, altars that oscillate between the sacred and the profane. A eulogy to all lives hidden within.
Think solely of photography now. Admit that every image is an artifice, always more hidden than revealed, where paths are signposted while never fully displaying their meaning. The reflected objects and dimensions ensconced in these images sing a ballad of death, resurrection, absence and presence. They are moments of an ancient eternity, reflected in a game of mirrors where past, present and future come together to celebrate the shared humanity of all our lives.
Susana Paiva, translated by Rodrigo Vaz
Fotografias de Ana Paganini
Pediu-me a Ana para escrever algumas palavras sobre o seu trabalho fotográfico.
Há dois anos vi pela primeira vez algumas fotografias numa pequena exposição em Mateus. Agora pela internet pude ver umas largas dezenas.
Há dois anos num passeio no Douro, que não esqueço, vi a Ana movimentando-se de máquina em punho, saltitando da proa à ré do pequeno barco com um largo e contagiante sorriso e com os olhos a brilhar, à procura das suas presas e troféus.
Tudo a atrai. Uma máquina que dispara numa roda-viva de 360 graus. Um olho curioso e guloso que entra pelo dentro das coisas. Uma pessoa que não esconde o seu espanto pelas singularidades e pelos contrastes.
Sei que fotografa na senda do seu pai desde que se lembra e até hoje, obsessivamente, nunca mais largou a máquina que se tornou determinante na sua maneira de ver e entender o mundo.
Sei que para mim, e isso basta-me, são já muitas as fotografias feitas pela Ana que me encantam.
A Ana tem tudo para continuar. Apreciemos o seu trabalho hoje e esperemos pelas surpresas futuras.
Manuel Costa Cabral
Lisboa, 31 de Outubro de 2013